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A entrevista concedida por Mario Celso Petraglia para a revista Ideias está correndo a web e provocando furor. Nela, o polêmico ex-dirigente Atleticano discorre sobre questões envolvendo o clube Rubro-Negro e o futebol paranaense e brasileiro, sugerindo inclusive, um estádio único para os jogos da dupla Atletiba.

O Atlético Guaratuba não poderia se furtar ante as declarações do ex-presidente e reproduz, na íntegra, o conteúdo de sua entrevista.

Em uma mesa de bar, solte o nome Mário Celso Petraglia e a discussão está armada. Há quem o defenda incondicionalmente como um dos presidentes mais importantes da história do Atlético, senão o mais importante. Para esses, ele é “São Petraglia”.

Na mesma mesa, o mesmo homem é odiado por outros e apontado como arrogante que se achava o dono do clube. Mas mesmo os que não simpatizam com Mário Celso Petraglia têm que tirar o chapéu para este homem.

Assumiu a gestão do clube em 1995 e em menos de dez anos obteve feitos que não podem ser desprezados por nenhum torcedor. Com Petraglia no comando, o Atlético conquistou títulos brasileiros das Séries A e B, quatro títulos estaduais, classificação para duas Libertadores,incluindo o vice-campeonato, e o clube, finalmente, viu a Arena da Baixada e o Centro de Treinamento (CT) do Caju se transformarem em realidade.

Petraglia também foi o primeiro a levantar a bandeira de trazer a Copa do Mundo para Curitiba e quando o fez chegou a ouvir o que os incréus costumam dizer de quem enxerga mais longe do que a maioria dos políticos.

Petraglia não é mais dirigente do Atlético, mas, nesta entrevista, não esconde os sonhos que tem para o clube do coração. Fala sobre os rumos do futebol brasileiro, as dificuldades dos dirigentes e os salários milionários. “O melhor legado de um clube seria fazer o torcedor responsável pela sua paixão”, defende ele.

No bate-papo com Fábio Campana, Nêgo Pessôa e Denise Mello, o ex-presidente do Atlético alerta ainda sobre os riscos de não haver dinheiro para a conclusão da Arena dentro das rigorosas normas da Fifa. Petraglia aponta o problema e traz uma polêmica solução: “Uma só Arena para Atlético e Coritiba”.

Acha loucura ou uma ideia brilhante? Leia a entrevista a seguir e entenda como pensa Mário Celso Petraglia.



IDEIAS - Qual o maior entrave para que o futebol no Brasil seja um negócio lucrativo, sem perder o ingrediente da paixão que motiva o torcedor?

MCP - Há um conflito grande, porque futebol é um entretenimento, uma paixão, que no Brasil abrange quase 90% da população. Dificilmente a reforma feita na Europa, que transformou a maioria dos clubes em empresas conduzidas de forma profissional, acontecerá no Brasil, em função de uma cultura que o torcedor se sente dono da marca. O torcedor corintiano se sente dono do Corinthians. As tentativas no Brasil, como as do Bahia, Corinthians e Vitória foram todas frustradas. O modelo brasileiro deve seguir com essa situação jurídica, dos clubes de futebol sem uma finalidade lucrativa e consequentemente isento de impostos. É um negócio privado na legislação, mas é público na cultura. Aí está uma das incoerências. Por ser uma atividade protegida e isenta de impostos, o Estado se sente no poder de legislar sobre ela.


Na época em que você estava no comando do Atlético, de que forma essa mistura de público e privado acabou provocando problemas?

Provoca alguns problemas, mas eu acho que há mais benefícios que prejuízos. A carga tributária no nosso país é altíssima, os clubes sendo isentos é uma grande ajuda. Por outro lado, temos o estado legislando sobre meia-entrada para estudantes, professores, etc. Eu não acredito que o Brasil caminhe para um modelo de clubes-empresas que paguem todos os impostos e tenham a liberdade de amanhã abrir o capital, ir para a Bolsa, pegar investidor. Porque também tem o conflito dos objetivos da satisfação do seu acionista. Em uma atividade econômica a satisfação do seu acionista é o lucro, o desenvolvimento para trazer aquele resultado econômico. Na atividade recreativa e de entretenimento a satisfação do nosso sócio é a vitória, o título. Você vender um jogador faltando algumas partidas por um grande valor econômico, ou perder o negócio e ele permanecer para você ganhar o título é uma situação extremamente conflitante. É possível conciliar, mas em uma estrutura que o Brasil precisa alcançar, que permita você ter as clássicas receitas de bilheteria, merchandising e televisão dos custos do futebol. Você tem que vender o espetáculo e não seus palhaços, e essa frase não é minha, acho que é do Sócrates, o jogador. Somos obrigados a vender o nosso artista, porque a venda do espetáculo não está organizada ainda no Brasil.


Mas para quem é este espetáculo? Existiria aí um conflito do governo entender que esse é um espetáculo para o povão?

É um espetáculo para o povão, não muda. Veja, temos um país de 190 milhões de habitantes, vinte clubes na primeira divisão e vinte na segunda. Como é que você vai dar esse espetáculo ao vivo para a população como um todo? Não dará nunca. A oferta será sempre para uma camada privilegiada. Não há outro jeito. Se for para oferecer de forma massificada, você usa a televisão. Eu fui ver os três tenores nas Termas de Caracala, em 1990, o preço era absurdo. O povão não pode pagar, mas vê no pay per view. O Cirque du Soleil, ao vivo é para privilegiados. Agora, não é por isso que o povo não vai ver na televisão. Por mais que você massifique, você vai estar sempre injustiçando alguém, porque não cabem todos. O conflito a meu ver não está aí, mas no custo deste espetáculo. Um treinador se acha no direito de ganhar R$ 600 mil/mês. Como é que você tem receita para pagar esse custo? O modelo econométrico da atividade lúdica, mágica do entretenimento futebol está falido. As receitas são insuficientes para os custos de mercado. Os que sobrevivem é porque venderam seus palhaços.


E como elevar a receita dos clubes para bancar o espetáculo?

Faltam ainda duas vertentes no Brasil: bilheteria, a preços compatíveis, e merchandising, pouco explorado pela falta de credibilidade. As marcas não se vinculam aos clubes mal dirigidos, falidos. O futebol é uma atividade extremamente elitizada, com fundamento econômico, ou seja, quem tiver dinheiro, estrutura, faturamento, faz um espetáculo de alto nível porque contrata os melhores artistas. Mas eu tenho certeza de que o futebol vai se manter cada vez mais forte no mundo e no Brasil. E agora com a vinda da Copa do Mundo de 2014 vai ser possível uma revitalização no modelo brasileiro.


E o futebol paranaense terá espaço nessa revitalização?

Temos 12 clubes considerados grandes, respeitados no Brasil. Temos quatro do Rio de Janeiro, quatro de São Paulo, dois de Minas Gerais e dois do Rio Grande do Sul, que se desenvolveram graças à economia e política desses estados. O resto não existe. Eu vejo o futebol paranaense com viabilidade, principalmente o da capital. O resto esqueça. Não acredito mais nessas competições estaduais, estão falidas. Alguns clubes já participam da terceira e quarta divisão, e porque não criar a quinta e a sexta? Esse é o caminho. Com a disputa de torneios regionalizados, restritos ao território próximo, ligados a um todo.


O que você acha da interferência de empresas públicas como a Petrobras que colocou dinheiro no Flamengo ou a Eletrobrás que patrocinou o Vasco?

Vou falar do Vasco. Um time que, pela gestão que teve, caiu para a segunda divisão, com sérios problemas financeiros, sem infraestrutura, o São Januário necessitando reformas, uma readequação. Mas tem uma função social determinante e fundamental. Então o governador ligou
para o presidente da Eletrobrás e conseguiu um patrocínio para a camisa do Vasco, de vários milhões de reais por ano, fala-se em duas dezenas. E eu acho que está certo. Não podemos deixar o Vasco quebrar, uma coisa é a instituição outra coisa é a competição no campo. São cem anos. Não se cria outro Vasco da noite para o dia. Mas não dá para esquecer que esse dinheiro de estatais é a eterna solução paliativa. O Estado tem que intervir e obrigar que os clubes se organizem. Não é possível apenas aplicar dinheiro público para salvar os times em alguns momentos. Tem que cobrar e punir os dirigentes incompetentes.


Enquanto isso, os salários de jogadores e técnicos estão nas alturas. Esse descompasso financeiro não prejudica a gestão dos times no Brasil?

Você encontra técnicos ganhando salários absurdos. Eu nunca aceitei isso. O grande problema é você contratar um técnico não qualificado pagando o que o qualificado ganha. Pagar R$ 200 mil para o Geninho, por exemplo, é um grande erro. Mas é o mercado... Então eu prefiro não ter, do que pagar para quem não merece. Felizmente, conseguimos nesses anos conduzir o Atlético Paranaense de maneira que o nível de endividamento foi decrescente, praticamente zerou. Agora nos outros clubes que continuaram as suas loucuras essa curva foi absurda, com crescimento das dívidas, fiscais, trabalhistas... E eu não vejo solução, nem com Timemanias, que resolva isso aí.
O caminho será uma falência, um trambique geral, uma anistia irrestrita imposta pelos credores e esta marca será conduzida por outro grupo, criando um novo clube utilizando aquela paixão da torcida, então cria-se um novo Botafogo. Começa tudo de novo, com a mesma marca. A razão social não importa, o que o torcedor quer são as cores, o nome e o escudo. E começar um novo ciclo, daí de uma forma mais responsável. Então quebra, acaba e começa uma coisa nova dentro de uma outra regra. É assim que vejo. Mas daqui para frente meu amigo, vai ter que ser aprovado orçamento pela Liga, você não pode contratar nem prometer aquilo que você não tem dinheiro para pagar. Um clube como o Atlético é isento de todos os impostos, então o Estado está no seu direito de intervir, determinando regras. Ou a própria Liga, como acontece na Europa. Se você chega ao final do ano e está insolvente, cai de divisão.


Para transformar o futebol paranaense em um negócio viável, você chegou a defender, lá atrás, uma possível fusão entre os rivais Atlético e Coritiba. Essa ideia ainda lhe parece viável?

A ideia da fusão não, ficou para trás. Mas temos que ter a sensibilidade, a visão, a consciência e a clareza do nosso tamanho. Curitiba, Paraná, em nível nacional, na atividade futebol, não existe. Não temos torcida, não temos marca, não temos mercado, absolutamente nada. Ou a gente continua crescendo nesse mesmo ritmo, de 15% a 20% ao ano, ou amargaremos o ostracismo para o resto da vida. Mais cem anos pelo menos. Temos, portanto, que fazer algumas coisas que nos tire do atraso, como qualquer outra atividade econômica. Se, no Paraná, eliminarmos os campeonatos estaduais, fizermos uma grande campanha do paranismo para que os filhos desse estado torçam para clubes daqui, eliminarmos absurdos como esse do Corinthians Paranaense, que é a entrega do nosso mercado para marcas paulistas, e unirmos as forças maiores do estado, teremos melhores condições de buscar esse crescimento e desenvolvimento. Se continuar a autofagia, autodestruição, e um querendo trucidar o outro, continuaremos pequenos.


De que forma a inclusão de Curitiba como uma das 12 sedes da Copa do Mundo de 2014, poderá beneficiar a cidade e o futebol paranaense?

Todos sabem as dificuldades, a briga com a Federação, com o Pinheirão, tudo isso para que a Copa do Mundo viesse para Curitiba. O envolvimento do poder político para trazer a Copa foi muito pequeno, não foi no mesmo nível que em outros estados. O trabalho e a existência da Arena, do Atlético Paranaense, possibilitaram a vinda da Copa para Curitiba. Agora começa para valer. Em agosto, as cidades escolhidas terão que apresentar ao governo e à Fifa as suas viabilidades econômicas. Fontes e origens dos recursos, garantias, tomadores, investidores, quem vai pagar a conta. Ou seja, até agora, passamos no vestibular, estamos na universidade, mas precisamos comprar os livros, pagar a matrícula, precisamos fazer a lição de casa do segundo momento. Adequar Curitiba em alguns pontos, como a ampliação do aeroporto, uma rodoferroviária nova, a logística da cidade, melhor segurança, melhorias na parte hoteleira... e a conclusão da Arena. O que nos possibilitou ser escolhidos é que a Arena é uma iniciativa privada, que é o que a Fifa prega. A grande preocupação da Fifa é o legado, é o depois que a Fifa for embora, em julho de 2014, terminada a Copa, o que sobrou? Manaus ficou com um estádio de 60 mil pessoas, fará o que com aquilo? Virou elefante branco. Na Coreia, temos estádios construídos para 2002 que já foram demolidos, porque não serviam para nada. Quando é privado o dono tem o compromisso da solução e como é de um clube de primeira, terminada a Copa o Atlético continuará jogando e a população se servindo, ou seja, tem o depois.


E você acha que haverá dinheiro para a conclusão da Arena, dentro das exigências da Fifa?

Ninguém sabe. O Atlético Paranaense não tem condições nem o direito de que nenhum dirigente proponha terminar a Arena ao seu prejuízo, ao seu sacrifício. O nível de exigência do caderno de encargos da Fifa é leonino. Tínhamos um caderno de 1995, em que o Atlético Paranaense se baseou para fazer o projeto em 1997, que teve a primeira fase inaugurada em 1999. Estávamos
dentro do caderno de exigências. Em 2000, na visita da Fifa, o Brasil postulou ser sede da Copa de 2006, depois acabamos perdendo para a Alemanha. Naquele momento, estávamos plenamente adequados, prontos. Era concluir aquele lado do colégio e fim de papo. Então tivemos a Copa de 2002 na Ásia que já foi um desbunde. Construíram 20 novos estádios. Depois tivemos a Copa de 2006 na Alemanha que foi a Copa das Copas. Em setembro de 2007, depois de todas as brigas para que Curitiba participasse, defendemos que a sede fosse a Arena e não o Pinheirão. Nosso estádio estava quase pronto e não precisaríamos de dinheiro público – e isso tem que ficar muito claro, porque esse é o meu grande argumento. Eu não tinha conhecimento que em setembro de 2007 a Fifa viria com um caderno novo, o que surpreendeu a todos. O nosso projeto e as nossas afirmações eram baseadas no caderno de 1995. Eu tenho feito a seguinte analogia, é um Stock Car e uma Fórmula 1. O campeonato do mundo e os estádios eram uma corrida de carros reformados, velhos, adequados e hoje, com as novas exigências da Fifa, são uma Fórmula 1, uma Ferrari. Quem vai pagar essa Ferrari? Quem é o beneficiado deste espetáculo? É o estado, é a cidade, não é o clube. Porque o Atlético não precisa de uma Ferrari para depois da Copa disputar o campeonato estadual. Dentro dessa comparação, nossa realidade é a Stock Car. E aí? O que fazemos com a Ferrari? O Atlético já decidiu: não põe um tostão para a satisfação das exigências da Fifa. Para quê? Não tem nem razão, nem motivo.


E como resolver isso se a Copa de 2014 será no Brasil e é preciso atender às exigências da Fifa?

Temos defendido que Minas Gerais tenha um estádio para Atlético e Cruzeiro. São Paulo deveria ser uma só arena para os três, e assim por diante. Uma só Arena para Atlético e Coritiba.
Por um lado, a adequação para os jogos da Copa, na Arena do Atlético, está estimada em mais ou menos R$ 100 milhões. Por outro, o Coritiba precisa revitalizar a praça dele, tentou algumas alternativas, mas não se viabilizou. Porque não unirmos os interesses dos dois em uma só praça esportiva? Cada um fica com seu centro de treinamento, com a sua administração do futebol,
e o nome seria Arena Atletiba. Eles vendem o Couto Pereira, pegam esse dinheiro e a gente termina a arena. Aí o estádio fica exclusivamente privado. Quando um joga fora o outro joga dentro, quando um joga sábado o outro joga domingo. Teremos 70 datas por ano para viabilizar. É uma equação geométrica, dois mais dois nesse caso serão cinco ou seis. Quando você tem massa, quantidade, você tem 70 jogos por ano, se tivermos os dois clubes. Senão teremos 35 no nosso e 35 no deles. Terão dois investimentos para serem amortizados e para dividir o uso pela metade. Lá em Munique eles construíram a Allianz Arena, a mais bela de toda Copa do Mundo da Alemanha. É o estádio oficial dos times TSV 1860 Munique e Bayern de Munique. Com uma cobertura de resina inflável, que recebe luz por dentro, ela fica ela fica azul quando joga o TSV 1860, e vermelha quando joga o Bayern.


A proposta de uma Arena Atletiba é bastante polêmica. A rivalidade entre os times não poderia inviabilizar esta ideia?

Precisamos jogar fora a pobreza da aldeia e deixarmos de lado a emoção e a paixão, o fanatismo e a inveja. É preciso trabalhar o futebol, neste momento, como negócio, até para depois aumentarmos tanto o faturamento quanto a paixão.


Você deixou de ser dirigente do Atlético no ano passado. Como torcedor você está sofrendo diante da péssima campanha na Série A?

Muito. Porque com o sacrifício para deixar uma estrutura sem dívidas não era para estarmos sofrendo tanto. O futebol mudou muito nestes últimos cinco anos, tem uma podridão. E as pessoas não estão se dando conta. É diferente você ser dirigente, você tem sobre a cabeça uma pressão. Eu já não me lembrava mais como não era ser dirigente, depois de 14 anos no comando do Atlético. É muito bom não ser dirigente.


E o que você responderia para os torcedores que pedem: “Volta Petraglia”?

Isso não existe, não tem a menor possibilidade.


Por quê?

Porque eu não quero. Eu acho que já passou, já virou a página. O que eu tinha que contribuir já contribuí. Já está aí o legado, nos 14 anos de trabalho: a vinda da Copa, a construção e conclusão da Arena, o campeonato brasileiro, o vice-campeonato da Libertadores, um clube sem dívidas, uma marca reconhecida, um case nacional e mundial. Já fiz a minha parte.

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